Fora de compasso

Se existe algo que me tira do sério é o tal do "jeitinho Brasileiro". Todo mundo está sempre tentando tirar vantagem de algo, desde filas de banco, ao pedir para o colega que tá lá na frente pagar a sua conta, até aprovar leis aumentando o próprio salário, enquanto professores ganham uma miséria e nãda é feito à respeito.
Pode ser cultural, estar intrínseco no nosso DNA de colônia européia, pode ser resultado do sistema educacional do país, pode ser por muitos motivos. O fato é que isso precisa ser mudado, ou nunca deixaremos de ser um país em desenvolvimento, de sermos medíocres.
Hoje de manhã um paciente pediu um atestado para a data de ontem. Expliquei que não poderia fornecer tal declaração, pois não o tinha atendido naquela data. O cidadão insistiu e disse que precisávamos ser "parceiros". Mostrei para ele o quão importante é uma boa relação médico-paciente, o quão preocupado eu estava com as lesôes que o mesmo dizia ter, procedemos ao exame físico, prescrevi fármacos para as dores, solicitei exames. Fui enfático ao dizer que a parceiria terminava ali. Justa e honestamente. Pois ele tornou a insistir, alegando que "ninguém ficaria sabendo".
Nessas horas é difícil conter a angústia que toma conta do meu ser, envenenando os meus olhos, me ensurdecendo, obscurecendo a minha mente, mas respirei fundo, tentando me abraçar na última gota da relação médico paciente que havia restado e com um discurso levemente moralista mostrei ao meu paciente quão errada, repudiante, irresponsável e anti ética esta atitude dele estava sendo. E completei com a pergunta: "Se estavas impossibilitado de trabalhar ontem, por que não fostes procurar recurso médico na hora?"
Pasmei com a resposta: "E quem iria buscar a minha moto no conserto?"
Final das contas ficou claro que tudo não passava duma inversão de valores e prioridades na vida deste rapaz.
Após terminar a nossa conversa, assinei a declaração de que ele havia consultado hoje, de tal a tal hora, sem necessidade de repouso domiciliar e entreguei a ele.
Pela reação dele, temo que perdi um "parceiro" para sempre.

Amnésia.

Só consigo lembrar daquele acorde diminuto após um com sétima menor. Com o tempo termino de escrever esta música.

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